quarta-feira, maio 17, 2017

Nostalgia é bom pra te devolver um pouco da sua humanidade. Hoje eu revirei alguns dos meus museus pessoais, aquelas caixas e envelopes empoeirados. Fiz tudo como manda a coisa: coloquei uma música instrumental, tarde da noite, na casa da minha mãe, onde os museus se encontram, e fui abrindo-os sem pressa, descobrindo cada papel bem devagarzinho. Como é bom o reencontro! Como é bom me ouvir e ouvir os outros. Saber das minhas dores e delícias de adolescente e pré-adulto. Histórias de amizade e de amor, que me foram tão verdadeiras, concretas, bem vividas. De arrepiar. Formaram muito do que sou hoje, e como é bom resgatar de onde vem o muito do que sou hoje. Sinto falta de tantas coisas, de tanta gente. Nostalgia é bom pra te devolver um pouco da sua humanidade, repito. Mas é bom pra te deixar completamente triste também. As lembranças de tempos que não voltam mais se misturam e um filme da sua vida anacrônico fica passando como se você fosse morrer amanhã. Dá vontade de ir atrás de todo mundo, abraçar gostoso e agradecer pelos momentos reais de troca, de experiência, de crescimento, de risadas, de descobertas... queria eu poder citar aqui os nomes. Uma lágrima acaba de escorrer. Sim, ainda estou ouvindo a música instrumental. O Youtube colaborou, me oferecendo uma Arcade Fire chamada Photograph, que dura mais de uma hora. Mais de uma hora de nostalgia gostosa e dolorosa. Não consegui terminar de ver as caixas todas. O resto ficaria para outro dia. Vi o suficiente para me marejar os olhos, devolver aquele gostinho de tudo que não se coloca no Lattes. Me aproximo de fechar a minha primeira volta de Saturno e o meu sentimento é o de extremo orgulho e agradecimento por ter a história que eu tive. Não mudaria uma vírgula. Que bom que estes são o corpo, a mente, a família, os amigos, os amores, as decepções, as descobertas, as dores, as risadas, os desamores, os sonhos, enfim! - que tive. Que tenho.
Nostalgia é bom pra te devolver um pouco da sua humanidade, sim, mas também para te fazer respirar e seguir em frente. Abra os seus museus e veja: você está fazendo a coisa certa. Sua vida continua uma delícia. Abraçarei tudo, agradecerei e farei uma prece - eu que não costumo fazer preces - a vocês, meus queridos. Minhas queridas. E sigo, sigo com ternura com meus queridões que têm se feito presentes agora

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Com saudade tremenda dos que a vida vai nos roubando aos poucos,


New, Newtinho, New2, Oldton, Newts, Nicolau, Newbinha, Olivio Wood

segunda-feira, maio 19, 2014

49: hora de voltar

Voo 3281 João Pessoa-Brasília, 16 de maio de 2014

O embarque está autorizado às 12:49. A sua tarifa permite embarque em prioridade, senhor. – ouvi com surpresa.
Quase dez anos atrás, quando era ainda um secundarista, o sinal tocava e eu fazia hora antes de voltar pra casa. Num sistema de transporte tão pobre quanto o nosso, meus amigos sempre se espantavam com a duração exata de minha atoíce. Eu podia ficar no pátio até por volta de 13:46. O São Sebastião passava (quase) sempre às 13:49. E então eu corria. Escutava quarenta-e-nove e pensava que já era hora de ir pra casa. Hoje o embarque foi autorizado às 12:49. E quarenta-e-nove. É hora de voltar.
Cochilei um pouco no avião. A psicologia deve descrever em detalhes alguma fase para o nível de sono em que eu me encontrava, mas é algo assim: você tem uma consciência parcial do que ouve e sente, mas tudo se dissolve lentamente num cenário onírico. O começo é tão frágil que qualquer agudo mais evidente te coloca de novo num quê de realidade. E a mente vai ter que começar do zero a composição de uma nova cena.
Fechei os olhos e tinha consciência de que me movia dentro de algo, tinha alguma consciência de retorno. Por uns cinco segundos, porém, um espirro mais alto ou o cleque de uma mesinha fechando me fez questionar onde eu estava. Parecia um carro. Parecia que alguém me dirigia. Uma caminhonete, talvez. Quem me trouxe mesmo? – pensei, antes de recuperar o áudio que saía dos motores e entender que voltava de um cochilo sem sucesso na fecundação que deveria ter ocorrido entre ambiente e mente.
Nessa de que a mente mente, acordei então. Estar neste avião e retornar pra casa tem um gostinho de volta à realidade.
Mas. Só que. É que.
Vivi tantas realidades paralelas no último ano que fica difícil saber o que sentir para além da saudade. Escrever neste avião é entender que essa é a última vez que não saberei o que esperar de meu retorno. Essa que foi uma angústia em várias horas termina no pouso. É engraçado essa coisa de algumas agonias terem prazo de expiração. De mistérios encerrarem ciclos. De mistérios terem fim.
É claro que o pouso é só o início de alguma outra coisa tão ou mais misteriosa, esburacada de dúvidas. Mas é como se o que eu vivi me atravessasse a nuca, vindo detrás; como se o agora estivesse diante de meus olhos. Da forma como os gregos viam o tempo. Não como alguém andando para frente, vagando no desconhecido e deixando coisas para trás. Não. É como alguém parado, acertado por espectros de acontecimentos que vêm por detrás das suas costas – desconhecidos, invisíveis – tornados disponíveis aos olhos depois de uma travessia completa.
Vejo tudo que me aconteceu projetado numa tela branca e aguardo com serenidade o que ainda vem me acertar as costas – mãos macias massageantes ou facas ferozes enferrujadas.
São 15:49. O pouso está autorizado.

terça-feira, maio 13, 2014

We should grab some coffee sometime

Logan, 15 de abril de 2014

Este tal de iced coffee que tomo nesta tarde finalmente morna tem gosto de rum. Rum, que eu descobri há pouco tempo. Rum. Rum dos melhores.
Ruim.
Veja bem. Ele tenta ser uma alternativa à cafeína quente para dias em que energia e refresco são necessários.
Mas não refresca;
E o gosto de amargo fica na boca, mas não sobe à cabeça;
Ele nem mata a minha vontade de café;
E nem mata a minha vontade por refresco;
E nem me inebria;
Esse tal de café gelado não passa é de uma mentira. Uma sabotagem das boas armada pra me dar um pouco da energia que eu preciso pro dia, um tico do alívio refrescante de uma boa vitamina de banana e a falsa promessa da amargura que embriaga.
Ele tenta ser e dar conta de tantas coisas, esse tal de café gelado. E juro, juro que estou tentanto, estou tentando apreciá-lo pelo que ele é, pela sua essência e lugar diferente no mundo enquanto café gelado.
Como colocar de lado, contudo, o fato  de que aqueles que o bebem na verdade o fazem por temer o suór extremo causado por um bom café preto num dia quente, ou as calorias destruidoras da cremosa vitamina ou a perda de sobriedade de um rum numa terça-feira à tarde?
Não. Melhor colocar gelo no copo e apertar o mesmo botão da máquina de café preto e bom e não colocar açúcar.
Se em cada gole eu tenho falsas promessas, ainda assim algo me foi prometido e nada me foi tirado, ainda que não devidamente cumprido.
Odeio as metáforas. Metáforas são prédios de concreto em florestas nunca dantes exploradas.
Mas funciona como a bicicleta que tá lá em casa parada há um tempo. A gente usa a bomba pra encher o pneu e ela anda, anda por algumas horas. Me leva até onde preciso. Na hora de ir embora, porém, a borracha arrasta no chão e eu tenho que andar pra casa.
A ignorância sobre o pneu furado não dura muito. Trabalhoso é achar o furo.
Há uma oficina de bicicletas aqui perto onde você só precisa levar o material e eles não te cobram a mão-de-obra; não te cobram a mão-de-obra,  pois te ensinam a achar o furo e remendá-lo.
Sempre que veem a minha linda Cruiser parada no terraço me falam dessa oficina. Mas o que eu fiz, na verdade, foi tratar de arrumar uma bicicleta nova. Era de graça para alunos da universidade, sabe?

Hoje as aulas foram canceladas. Peguei a bicicleta nova, sentei numa mesa do lado de fora e pedi o vigésimo café gelado da semana. Mas é de café preto, rum, vitamina de banana e uma Cruiser com o pneu furado no terraço que eu sou feito.

segunda-feira, fevereiro 03, 2014

Seis meses de EUA: sobre palavras, fé e o que vale a pena

Seis meses de Estados Unidos. Nunca antes tinha passado tanto tempo fora do que eu sempre chamei de casa. É engraçado como aquilo que te é tão estranho no começo aos poucos se dissolve em realidade, se tornando o que você então chamará de casa. Sempre que saio de Logan, a minha atual cidade, sinto que é uma delícia viajar. Falo mal da falta de opções de Logan, da pouca diversidade, do frio, do conservadorismo... mas quando o ônibus volta e começa a entrar nas montanhas do Canyon, quando reconheço o primeiro comércio se aproximando, respiro fundo aliviado: é bom estar em casa, finalmente.

Paguei caro para estar aqui. Não me refiro diretamente à la plata, l’argent, the money. Abri mão de muitas raízes que Brasília me oferecia poucos meses antes de decidir embarcar. Um emprego público, uma jornada de trabalho mais branda, um salário melhor, quinhentos alunos que me conquistaram, o contato quase que diário com meus amigos, as delícias de uma relação nova criando cara e se firmando, as delícias de amar Brasília e as árvores da W3, a Esplanada em momentos vazios, patins no Parque da Cidade, festas e bares que já bem me conheciam e conversas cansadas com meu irmão no fim da noite.

Seis meses longe disso. E agora me perguntam se valeu a pena, se valeu a pena a longo prazo. Se eu já tenho tudo resolvido, se os ares de Logan cessaram finalmente as minhas dúvidas profissionais, se eu vou investir num mestrado aqui, em São Paulo ou Brasília. Se terei melhores empregos com um currículo de respaldo, se ganharei mais. O que farei dessa experiência, afinal, me perguntam em coro. Talvez as vozes da minha cabeça me perguntem mais do que esses meus queridos, mas o eco ressoa de algum lugar todos os dias. Então tentarei responder.

Não, os ares de Logan não preencheram as dúvidas que me foram geradas numa vida em Brasília. Uma vida em outro país não me foi suficiente para ter tudo resolvido pelos próximos cinco, dez ou quinze anos. Volto para a minha primeira casa em poucos meses sem pista alguma do que farei, do que serei ou por onde andarei.

E pela primeira vez na vida não acho isso desesperador. Acho, na verdade, uma delícia. Esta que tem sido a minha casa não me mudou para sempre. Não me transformou. Mas preencheu espaços que me acompanharão para o resto de uma vida.

Estar longe tem me ensinado muito sobre a fragilidade das coisas. Das palavras. Foram muitas as palavras nesses meses que mudaram a maneira como encaro as coisas. Elas podem significar tudo ou nada. E ainda que você as saiba manejar bem, como eu sei que sei, outros também o sabem. Disse às pessoas mais importantes da minha vida o que precisava ser dito. Cresci achando que o meu grande problema era dizer. Aqui, aprendi que se pode dizer qualquer coisa. Acreditar no que é dito é um ato de fé, entretanto. E há pouca fé nesses dias. Então diz-se o que se quer; faz-se o que se quer também. Faz-se o que se quer do que é dito e às vezes o que escolhemos fazer é não fazer nada. Ou dizer algo de volta, porque é isso que nos é esperado. Então digo. E escrevo. Ainda sou tecido mais de palavras do que de fé, então escrevo.

Fé. Utah é um estado de fé. Fé em uma religião que eu nada sabia e agora compreendo um pouco. Compreendo um pouco do que é ser um outsider numa comunidade com valores tão diferentes dos meus. Mas viver num ambiente noventa por cento Mórmon me lembrou daquilo que mais gosto na antropologia: é preciso não só se familiarizar com o estranho, mas estranhar o familiar. E como me senti um estranho com a minha cultura e valores (que pouco devem à religião...)! Mas, sim, fé. Eu poderia escrever um ensaio inteiro sobre o que aprendi sobre A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias. Sobre as coisas que eu julgo funcionar, sobre o que me parece belo e sobre as suas contradições, para mim, tão absurdas. Mas falarei apenas de uma coisa: as missões.

Por volta dos dezoito anos, muitos jovens vão à missões em lugares diferentes do da sua residência para promover a fé. Ficam dois anos imersos na religião em algum canto do mundo. Muitos vão ao exterior. Eles não sabem para onde serão mandados quando se inscrevem. E assim alguns vão para a Coréia do Sul, outros para a Finlândia, outros para a Rússia, outros para a Espanha, outros para o Brasil. Muitos para o Brasil. Não interessa a qual parte do mundo eles sejam enviados: estarão mais imersos na religião em si do que em sua nova casa. Não podem experienciar a cultura desses lugares a fundo. Suas rotinas começam às seis da manhã e terminam muitas vezes às nove da noite, todos os dias durante dois anos, com uma folga nas segundas-feiras à tarde, entre estudos bíblicos, estudos da língua, promoção da fé nas ruas e visita à casa das pessoas. Sem fôlego como a última sentença.

Mas há um crédito que precisa ser dado à Igreja: esses jovens voltam fluentíssimos na língua da comunidade em que ficaram. O contato diário com material já conhecido em outra língua, com pessoas das mais diversas camadas sociais, com colegas estrangeiros mais fluentes que também batalham na nova comunidade... tudo isso faz com que o seu domínio da segunda língua volte impecável. Im-pe-cá-vel. Me espanto às vezes com a quantidade de americanos falando português fluentemente no campus. Conheço várias pessoas que moraram dois anos em outros países. Conheço estrangeiros que moraram no Brasil por quatro, cinco anos. E a precisão e fluência em seu domínio do português pouco pode ser comparada à adquirida por esses missionários.

Tentei várias vezes entender um pouco mais sobre como esse aprendizado ocorre. Muitos dizem que foi natural, que foi o contato diário. Mas a resposta que mais recebo é: fé. É uma obra de Deus mesmo. Como se a língua deixasse de ser uma barreira. E mais uma vez esbarro em palavras, portanto. No poder das palavras. Também, quando os questionava sobre as peculiaridades do Brasil, poucos sabiam mais sobre a nossa cultura para além da língua e da comida. O acesso ao cinema, à música, à diversão, enfim, lhes é negado por esses dois anos. Um missionário na Jamaica tem uma experiência muito parecida com um missionário no Japão, por exemplo. Quando lhes questionava, então, o que achavam disso, recebi certa vez uma resposta muito espontânea. Tão espontânea e forte às três da tarde de uma quinta-feira: cara, não existe nada igual. É difícil, mas você volta com uma coisa... uma coisa que eu não sei explicar. Você aprende a amar as pessoas.

Quando me perguntam sobre o que estou fazendo aqui, brinco dizendo que também estou numa missão. Uma missão para promover a cultura brasileira e a língua portuguesa por um ano num campus universitário americano. Me pergunto, portanto, se a minha missão tem me ensinado a amar as pessoas (como se não houvesse amanhã?). E, com vergonha, admito que ainda não aprendi a amar o mendigo na rua como a amar mais os que estão longe de mim. Ou a uma porção de gente nova que conheci enquanto embaixador cultural, ou melhor, missionário.

Aprendi a amar a França, o Irã, a Armênia e a República Dominicana. Países sobre os quais eu sabia quase nada ou nada, mas que agora preenchem o meu coração de curiosidade e saudade antecipada. Conheci pessoas fantásticas do mundo inteiro, mas o meu convívio mais diário acaba sendo mais com os filhos dessas terras espalhadas do que desta que agora chamo de casa. Aprendi, por exemplo, que na Armênia eles sabem quem é Jade e Lucas e sobre a trajetória meia-boca de Sol para chegar à América. Nossas novelas e nossas músicas chegam lá. O que chega da Armênia até nós? Aprendi que álcool é completamente ilegal no Irã, mas que você pode consegui-lo a qualquer hora. E que os jovens normalmente se esforçam para isso. Meu coração se cortou quando ouvi do meu amigo que ele disse à sua família que talvez ficasse cinco anos sem voltar para casa. E já lá se vão três. Aprendi que na França, em janeiro, eles colocam um bonequinho (de chumbo, talvez?) dentro do bolo, e que quem pegar a fatia com ele tem sorte.

Cruzei o país e muitas cidades dele. De carro, de avião, de trem, de bicicleta, a pé. Bebi cerveja artesanal em Boulder, celebrei um Thanksgiving verdadeiramente hippie em Denver, no Colorado. Cruzei a Golden Gate de bicicleta e depois cruzei de novo, desesperado por ter perdido a balsa e ficado preso num lugar escuro com veados e cobras. Vi novamente a capital do mundo, mas agora de um novo topo. Apresentei uma versão improvisada de Frevo para outras cinquenta nacionalidades em D.C.. Respirei novamente os ares de uma cidade que, sim, me mudou para sempre. A brisa de Atlantic City com as luzes de seus cassinos luxuosos fecharam feridas de uma vida. Fiz guerra de neve e me apaixonei por Boston. Contemplei o concreto da Filadélfia mais uma vez. E muito disso vivenciado ao lado de alguém que pararia sua vida por mim. E que parou. Descobri por acidente uma praia em Chicago e mudei os planos do dia para nela ficar. Relaxei com uma cerveja na mão dentro de uma piscina natural de água quente em Idaho. Andei uns vinte quarteirões sozinho em Salt Lake City e lá fiz amigos para uma vida. Já a tenho no coração junto com Logan.

Em Logan vi neve pesada. Ganhei uma bicicleta retrô e me apaixonei por ela. Passeamos juntos por alguns dos cenários mais bonitos que já vi. E ganhei um escritório com uma vista linda para o campus. E alunos interessadíssimos na minha língua nativa. E com os erros mais gostosos: eu estudo às primeiras-feiras. O furor do Halloween: eu estava lá. Como Alex, do Laranja Mecânica. Andei numa garupa de moto à lua cheia. E também à lua cheia fiz uma trilha para a Caverna do Vento. Dirigi um jipe. Aprendi a cozinhar. Aprendi a cortar meu cabelo sozinho. Me tornei vegetariano. Apresentei a essa hermeticidade as doçuras do beijinho de côco, do brigadeiro e da paçoca. E também das caipirinhas.

Logan comprou um espaço todo novo no meu coração. Espaço grande, com cobertura e área de lazer. Outros também responderam aos seus anúncios imobiliários. Minas Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro e Paraná compraram lotes grandes nele. Sergipe e Santa Catarina ampliaram suas já antigas propriedades. Uma gente bonita que levarei para a vida foi fabricada nesses estados. E como sou feliz de tê-los conhecido.

Aqui perdi o medo de cemitérios. Tem um atrás da vila onde moro, passo por ele quase todos os dias para chegar ao campus. Algumas das minhas fotos mais bonitas vêm de lá. Verão, outono e inverno. A vida se manifestando tão bonitamente num lugar que deveria ser triste. E é. O adeus é sempre triste. As folhas caídas do outono virando matéria orgânica. Nós mesmos virando matéria orgânica. Tudo muda. Tudo muda tão obviamente diante de nosso nariz e o que mais almejamos é que as coisas sejam estáveis. Que pessoas, lugares, rotinas e sentimentos não mudem.

Mas mudam. Mas mudam, Brasília. E por isso, sim, valeu a pena. A curto, médio e longo prazo, valeu a pena ficar longe de você. Outras possibilidades de existência são possíveis para além do que você nos vende diariamente. Descobrir dentro de si mesmo um universo de possibilidades inquietantes é privilégio de poucos. Tenho a sorte de ser um deles. Que venha a segunda parte antes de voltar para você, minha primeira e mais verdadeira casa.


segunda-feira, outubro 22, 2012

De T a N



Tinha-te todo, um
Tanto de nada, e em
Tua face um toldo.
Tanta pretensão tentar tirá-lo
Tiraste-o tu, tão espontaneo
No terminal final

Tiraste-o quando já não te importavas
Tudo é tão tênue
Ter e ter tirado
Tomas agora banho de sol, e
Não te tormentas, pois
Nada te foi tirado

Trilhas novamente o isto, que eu
Tanto temia
Tempestades castanhas te aterraram
Não te falta pois agora respira
Nem te dói
Navegas só

Navega agora por uma nova cidade
Nu
Não naufrague nem te negligencie
Nem ignore o que dizes a si mesmo
Te ergue nesta neblina
Tece-te

Nuvens despencam
No homem que és
Nada vem do menino
Não te tormenta.
Nada te foi tirado.
Toma agora banho de sol.

sábado, novembro 19, 2011

Não há Nada

Expõe-te e não me importo
Impõe-se-te me exporto
Importo-me com meu posto
Exporto-me pr'outros portos
Importam-me fechadas portas

Ex portas passadas postergadas
Exporto-me e não me é imposto
Porto-me como porta
Não penetra
Não há nada

Se te importa em mim exporta
Importa-te com suas criadas portas
E sou de pedra importada
Não penetra
Não há nada

sexta-feira, dezembro 04, 2009

Babaloodibriante

Hoje eu ganhei um Babaloo de banana edição limitadíssima. Em alguma conversa solta de tempos atrás deixei escapar que a companhia tinha deixado de fabricar esse sabor há anos, pois aquela gominha amarela era capaz de disfarçar os resquícios deixados no hálito pela colega marijuana. Revoltada com seu insucesso e falta de amostras para comprovar o uso do produto, a polícia teria dado queixa e a fabricação teria sido suspensa. Talvez essa fosse só mais uma daquelas lendas urbanas em que a gente acreditava facinho. Era difícil encontrar razões para o cancelamento da fabricação de Babaloos de banana. Cinco. Seis. Sete anos, talvez, desde a última vez que havia mascado aquele que costumava ser meu sabor predileto. Mas hoje eu ganhei um Babaloo de banana edição limitadíssima. Alguém realmente tinha prestado atenção nessa historinha que contei só para distrair, enquanto dava aula. Meu aluno chegou e disse que tinha uma surpresa. Tirou o Babaloo do bolso e não falou nada. Olhei como quem pede explicações: “Sim, sim. Edição limitadíssima. Encontrei na minha escola de música. Era o último. Não consegui comprar nem pra mim, mas já que você disse que gostava tanto...” – disse ele. “É pra mim?” – respondi com os olhos brilhando. “Aham. Esse é precioso...” Ele não precisava ter dito isso. Eu sabia o valor daqueles vinte centavos que ele tinha investido. Agradeci sem jeito e disse que usaria numa ocasião muito especial. “A gente nunca sabe quando vai encontrar um desses de novo...” Coloquei-o no bolso. Eu o abriria mais tarde com cuidado, numa ocasião muito especial. Fui dar outra aula ainda com o Babaloo no bolso e pensando quando seria essa ocasião. Fui para casa, tomei banho e levei o Babaloo comigo para meu próximo destino. Não, não agüentaria esperar. Aquela era a ocasião especial: colocar um CD nostálgico no meu carro no caminho da Universidade e mascá-lo até lá. Entrei no carro e abri a embalagem muito cuidadosamente para que não a rasgasse. Coloquei minha faixa favorita do CD e finalmente o levei à boca. “Adolescência”, pensei. Enquanto aquela borracha redonda circulava pelo meu palato, eu apreciava como se fosse a última vez. Talvez fosse, vai saber. Não queria chegar ao recheio líquido tão depressa. Eu, que como rápido e vivo rápido, apreciei. Assim, minha primeira mascada foi lenta como um primeiro beijo. E em seguida, cada mascada me levava às alturas. Era como se eu tomasse um gole de um daqueles uísques caríssimos. Daqueles que só o gole superara o meu salário. Mas não, era só um Babaloo de banana. Completude em plena quinta-feira. A vida é cheia de surpresas mesmo. Cheguei à Universidade ainda com a goma na boca. Sentei-me para ouvir a professora. “Se fosse em outros tempos, ela estaria me pedindo para jogar o chiclete no lixo.” “Adultescência.”— pensei. E então já não conseguia mais me concentrar. Ainda nessa aula, escreveria a primeira linha disso aqui. A epifania babalooniana. Às vezes é difícil acreditar que a resposta das maiores indagações pode estar na natureza. Ou nos frutos da revolução, quem sabe. E lá estava. Naquela gominha de mascar amarela. Enquanto eu chupava aquela raridade, repensei e não, não tinha exatamente gosto de adolescência. Era gosto de início de romance. Bom, excitante, diferente. Mas, antes que eu pudesse continuar dizendo qualquer coisa sobre ele, o meu precioso foi perdendo o sabor. Se tornando, por fim, uma borracha comum. Dando aquele gosto azedo conhecido. De repente o meu Babaloo de banana tinha o mesmo dissabor de qualquer outro. E eu o hesitava em jogar fora. Comecei a brincar com ele, fazendo bolas, fazendo-o passear pela minha boca, botando-o debaixo da língua. Azedo, azedo. Parava de mascar alguns segundos, voltava, bola, céu da boca. Azedo, azedo. E antes que eu pudesse continuar a escrever qualquer coisa sobre ele, levantei e desisti de lutar contra o seu desgaste inevitável. Lixo, finalmente. Mas a embalagem eu guardaria. Numa caixa. Para sempre.

domingo, novembro 01, 2009

Pré-restrospectiva

TimesSquare/Turnesville/Loneliness/Happiness/Trips/AC/
SaoPaulo/Currículos/Entrevistas/Aproximação/ÚltimaFicada/ÁguaArFogoTerra/
InCompany/AdvancedLevels/Comer/Sociolinguistica/OSagradoNovamente
Fornalha/AlmoçoscomElfo/Vlad/
DemissãoVoluntária/
CulturaInglesa/Escraviário/Pesquisa/Pôr-do-Sol/
Despedidas/Landscape/VL/BuenosAires/
Despedidas/SaltoCorumbá/Dialéticas/Canadá/DemissãoVoluntária/Wizard
21/Hookups/Churrascos/Insanidade/Bluespace/InOffice
SaoPaulo/Butterflies/Palu/UmPoucoAlém/Canada/

sexta-feira, abril 17, 2009

Raindrops

Olhou para todos e realizou que teria de deixar tudo aquilo. Curiosly tinham todos demais... Eles tinham triunphado. Ficariam. Ele entraria no próximo voo e não era apto a mudar mais isso. Dinheiro, dinheiro que se esvai. Dinheiro, dinheiro que o levou. Buraco buraco que o buscou. "Eu gosto da sensação de estar longe de tudo" - suas palavras fluturaram pelo úmido ar mas não ganharam pouso em nenhum ouvido. Virou e foi em direção à beira da piscina. Ninguém viu. Seus músculos faciais lutavam à contração. Acordou com a primeira lágrima droppada depois de longos dias de chuva. Enteder a - á

sábado, março 07, 2009

Especial Antigos Profiles de Orkut - Na esperança de um novo quem sou eu. (Parte I)

Discreto

dentre os vários que sou, só não sei ser o que sou de verdade

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Ceratomundo

Em minha íris adulta, o embaçamento finalmente começa a ganhar cor de fumaça preta. Incomodam-me as pálpebras abertas; o mundo começa lentamente - bem lentamente - a escurecer. 

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Palpites

Tenho estado alheio até a este senhor, que sirvo. Todos os dias me aflige o cutucão; algo me diz que lhes devo explicações. Têm tentado adentrar meu labirinto, mas eu mesmo me perdi em suas curvas quadradas. "A quem não sabe aonde ir, qualquer caminho serve" já não é de meu interesse. Cansei de correr, de andar em círculos na esperança de um acerto. Parei.
Contemplo, então. Hay sido difícil, porém, olhar o dentro. Sinto (?), mas não vai para fora o que não me insidiu. O que vem de fora toca o meu fora. É só.
Alheísmo, bruteza, rudeza, dispersão, passividade, impaciência, far-away-look, riso frouxo, dúvida, vagueza, insegurança, conflito, multisemiotia, esgotamento, tristeza: sim, sim! Tudo que têm me dito. No entanto, sintetizo-me:

Cansaço. 

Contemplo o templo que é o tempo.

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Primeira pessoa

Olhando minhas pastas percebi que 90% dos meus textos são redigidos na primeira pessoa e têm um número bem superior ao necessário de "eu" e "meu". Ainda assim, não sei responder a essa pergunta. Também não sei se devo, ou para que devo, respondê-la; isso é realmente possível? Já fui prepotente demais em rechear esse perfil com meus "eu's" e "meu's". Perdi algum tempo também trabalhando a palavra, na esperança de que alguém, do outro lado, tentasse fazer o caminho inverso para me compreender. Como se existisse razão ou algo para ser compreendido.
Ah, sco de mim!

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Os Prepotentes ou Sobre o Óbvio

Não sou aquele que te apontará o caminho certo; e nem o errado. É que eu não sou amor e nem ódio, não sou o bonito nem o feio, nem o bem nem o mal, nem o puro e nem o perverso. Eu sou habitante da divisa, de todas coisas. Moro em cima do muro e olho para os dois lados. Sei as vantagens e as desvantagens de cada um. Eu vou atiçar o seu raciocínio, mexer com seu psicológico, te deixar confuso. Daí você escolhe: Ou segue uma das direções depois de me ouvir, ou divide a divisa comigo(dividir a divisa. legal, né?). A divisa é a razão. Não sou introdução e nem conclusão, sou desenvolvimento. Você começa, eu desenvolvo, você conclui.

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A resposta dessa pergunta pode vir a magoar muita gente. É melhor que cada um me interprete de um jeito, me conheça de um jeito, me ame de um jeito... porque eu não sou só um; e não é que eu tenha duas caras. É que cada ambiente me absorve de um jeito, cada sorriso me cativa de uma forma, e cada grupo conhece um pedaço que outro desconhece. Há pedaços (grandes, até) da minha essência que até eu desconheço. Talvez seja preferível continuar sem conhecê-los... talvez seja melhor ignorá-los... Eu sou alguém que fez uma escolha de uns tempos pra cá;e é nela que eu pretendo viver.

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Dezenove

10 de Setembro 
10/09
10 + 09
19

Dez e Nove 
Todo mundo quer fazer quinze anos. É a auto-afirmação de que a adolescência chegou de verdade. Dezesseis também é aspiração geral; é o jeito de driblar a censura em Boites melhorzinhas e ver filmes mais adultinhos. Com dezessete, o ensino - de fato - médio vai acabando e começa-se a fazer escolhas importantes. Idade impressionante, a dos dezessete. Dezoito nem precisa falar nada. O mundo começa a exigir amadurecimento, ainda que você queira continuar a viver nos lúdicos anos anteriores. E você dirige, tira uma penca de documentos, e – dizem- responde pelos seus atos. Mas é aos vinte que parece que a adultice chega. A noção de duas décadas, e de um número redondo, parece dar a impressão de que, yeah, agora começou; mesmo. Sim, mas - ainda bem - é só impressão. A coisa é que ninguém sonha em fazer dezenove. Dezenove não tem novidade. Dezenove é estranho. Parece ir além dos vinte. Transcende. Envelhece-se drasticamente com ele. Depois, se rejuvenesce aos vinte. Coisa de nomenclatura; do poder da palavra. Vinte soa jovem; dezenove, velho. Deve ser uma idade bonita também, entretanto. Então, vou aproveitar meu um ano de maturidade, daí no ano que vem eu penso que acho que virei adulto e volto à doçura dos quinze!

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O Favorito

eu tenho sangue arretado de nordestino
e a educação do sul
eu tenho instinto de tribos do norte,
vivendo no paleolítico
e a pressa e a sede do sudeste
mas meu negócio é o centro-oeste
o centro do centro-oeste
eu sou brasiliense
sou de terra de ruas e conversas sem erros
de gente escondida como eu
pra essa sequidão do planalto central
eu me volto
ai, como eu queria que o mundo todo
conhecesse nossa aurora boreal

.

Eu sou uma hemorragia interna incessante. Não pára; é que às vezes eu confundo estancamento com anestesia.

quinta-feira, julho 24, 2008

Os últimos dias têm sido dias de reforma. Reformas lentas e mal feitas, é verdade, mas válidas. Vem-me a cada segundo uma efusão de idéias e planos dos menores aos mais grandiosos. Me permeiam, me renovam, me confundem, me recriam. Tenho aquela certeza de que quase tudo é fumaça passageira, mas isso traz de volta à vida alguns neurônios meus que há muito já se tinham ido. Perdi de vez o jeito que nunca tive de escrever, embora em outras vezes achasse-o libertação. Censurei-me tanto ao reler escritos antigos que parei, neguei continuar cantando o jingle, falar a mesma coisa, tentar enfeitar e construir o isso. O longo espaçamento do último post a esse só reflete o quanto eu não tinha nada a dizer. Meu cérebro estava branco, cheio de neblina. O turbilhão de coisas dos últimos meses o estagnaram, era preciso abstrair, deixar a opacidade baixar um pouco e desconstruir. Fiz - e ainda estou fazendo - o caminho inverso e mais sensato: é preciso desconstruir, deixar o antigo ir embora, deixar os maus hábitos voarem, dar mais destaque e valorizar ao que tem - ou teve - verdadeiro significado, me livrar de livros, revistas, aparelhos que já não funcionavam, móveis, papéis, coisas e pessoas. Papéis, coisas e pessoas sem significado que só enchiam meu quarto e meu cérebro de um nada gigante. Acho que a coisa mais difícil num processo de desconstrução é desconstruir o nada. Como tirar o vazio de dentro de algo? Porque, veja só, num processo de desconstrução, tira-se o velho para poder colocar o novo. Se tem vazio, tem espaço para o novo. Mas então pra que é que - e como é que - eu tiro o nada? Tiro o nada de onde? Coloco onde? Onde que começo a colocar as outras coisas? A idéia vem toda coloridinha, aniquilando a fumaça branca. Mas ainda não ganhou forma concreta que expulse o vazio e recheie (recheie o que? o nada? o vazio? o buraco?) de peso. Eis o meio do processo; transe.

desconstruir. 
des-cons-tru-ir. 
d e s c o n s t r u i r. 

[d] {s} (o) (s) (r) (i)
{e} (c) (n) (t) (u) (r). 

{e} {s} - (o) (n) (r) (t) (c) (r) (s) (i) (u) - [d]eletado

s e c o n s t r u i r
se cons-tru-ir
se construir
construir-se.

domingo, agosto 19, 2007

A dúvida é?

E o que sobrou além de fragmentos de lembranças nostálgicas e boas? Boas e doloridas? O quê, eu me pergunto. Além da lágrima presa, do fingimento? Se a coisa é assim mesmo, o negócio então é fingir; para anestesiar. Só que a anestesia não transcende a dor. Vez ou outra ela aparece firme e forte, junto com o buraco. E é nesse momento que eu apareço por aqui. Quando querem rasgar meu abdômen e tirar o nada que há dentro dele. Se tudo isso soa como jingle, é porque só me nasce algo - e sempre o mesmo -, quando o efeito entorpecente passa. Embora gêmeos unidos, o que digo (sempre) chega a ser, de fato, um algo? A dúvida é? A dúvida? - ?.

terça-feira, junho 19, 2007

eu am'aDOR.

Tem-me sido cada vez mais árduo e doloroso mergulhar dentro de mim. A viagem que outrora eu fazia em segundos, agora demora dias para poder começar, simplesmente. E quando se inicia, nem chego à metade, perco o rumo, dói e eu volto ao ponto inicial. E nesse ponto eu não sou nada, porque só aqui e só na dor eu sou. Só que não tenho mais conseguido levar essa dor adiante. Ela emerge e morre em seguida. Congelada. Morre congelada do gelo que eu me permiti tornar.

segunda-feira, junho 18, 2007

O tapete de lã

Na semana passada minha mãe jogou fora o tapete da sala. Ele era bege e grande, e tinha aquelas pontas de lã que saem de tapetes, as quais eu não sei nomear. Mas são aquelas que são boas de passar a mão e de pisar. Quinze anos de tapete bege e grande nas diversas salas em que eu morei. Dos meus dezoito, quinze anos de história-minha de que eu me lembro. Lá estava o menino, brincando no cantinho do tapete, ao lado do sofá. E as suas ilusões e sonhos se retratavam naqueles bonecos, naqueles carrinhos, naquelas simulações de vida que julgava tão bem conhecer. O menino sozinho; sempre sozinho. E no tapete da sala. Deitado ali, deliciando-se nas pontas de lã, assistindo à surrealidade televisiva. Ao pisar no tapete, trazia para este o mundo que pisara lá fora. E trazia seus medos, suas descobertas, suas intrigas, seus novos presentes, seus sentimentos. Mas, por pisar, ia sempre o destruindo. Cada vez que se construía, o menininho desconstruía o tapete; o desgastava. E de menino virou rapaz, e de rapaz trazia novas coisas para descerem de sua cabeça aos pés e pisar no tapete. O peso dessas coisas se tornou evidente, porque cada vez que pisava nele, ele se desgastava mais... e se desgastou, se desfez. Numa proporção inversa, o menino era feito e o tapete desfeito. O tapete em que recentemente sentara para fazer o seu mais recente ofício: não se dar à surrealidade televisiva. Aquela lã o alimentara e aqueles pés de menino alimentaram a lã. Era um pacto: estavam presos àquele universo juntos. E naquele espaço de dois metros quadrados, ele retornava a uma realidade distante e se sentia seguro de si mesmo; seguro de que um dia havia existido.
Mas, na semana passada, minha mãe jogou fora o tapete da sala.
(escrito no mês passado)

domingo, maio 27, 2007

Perto

As coisas começam a tomar alguma forma. Quem me faz não ser é exatamente quem sempre tenta de algum modo me apresentar a face do mundo. É que o homem quer mais espaço que o seu corpo permite. E, numa dança imperialista, ele tenta me mostrar que ser é ser como ele. Eu sou aprendiz, ele o mestre. Se antes eu vagava sem rumo, agora vago sem rumo e despido. Despido de mim mesmo. Despido do que eu nunca soube ser. Mas as coisas começam a tomar alguma forma.
Porque eu já sei quem me despe.
Ainda sou interrogação no branco, só que vendo pontinhos coloridos ao longe. Perto.

quarta-feira, maio 16, 2007

Achava/m. Mas eu não nasci pra ser 'Newton'

Eis-me aqui, crescido. Peso morto crescido. E o que um dia eu tinha pra brilhar (um milésimo do brilho do Sir. Isaac Newton) morreu. Aliás, O meu brilho não morreu, porque não chegou sequer a nascer. O que um dia existiu em mim foi uma gestação; eu estava grávido de brilho. E me olhavam, perguntavam para quando era. Eu não sabia; não sabia que me habitava algo que não me é.
Foi aborto espontâneo. Perdi aquilo que nunca senti que nasceria. Ou, no fundo, sabia. Foi eu quem deu a nóticia de gravidez, eu quem esperei o nascimento do que eu seria. o nascimento PLIMP. Gestação sem pré-natal, sem acompanhamento. O brilho nasceria no momento PLIMP.
Nasceria.
E eu perdi todo o fim do que nunca começou.

segunda-feira, abril 16, 2007

Retalhos, cortes e emendas.

É que a gente acha que vai ser diferente. Mas não vai.
O emaranhado é o mesmo, os nós se apertam... é inevitável o encolhimento. Ali estava, preso num cantinho com um aroma sufocante.
Em algum momento ele resolveu mudar o caminho. Talvez sempre andasse ali - fora da pista - mas sempre os tinha. Era essa idéia de possessão que o fazia continuar. Aquilo era seu; sempre seria. Perdeu-se, entretanto, e perdeu-se sozinho. Seu caminho ganhou curvas e adornos que não o levavam a lugar algum. Às vezes, conseguia ver de longe a trilha daqueles que um dia possuiu. E se perguntava sempre porquê. Sempre por que havia dobrado n'alguma esquina do tempo pra viver por aí, solitário. Pra viver procurando respostas de perguntas que não o fizeram. Pra viver sangrando e não ser notado. Seguia numa explosão interior, seguia com a parte de dentro dilacerada, mas os muitos que encontrara pelas curvas não o percebiam. Só ele parecia entender; só ele parecia enxergar os retalhos, os cortes e as emendas interiores alheias. Os outros, tantas vezes martelados e invisíveis. Ele os enxergava. Não os consertava; fazia-os entender a dimensão de cada corte, cada gota de sangue. E eles (temporáriamente) se curavam. Daí já não precisavam mais dele. Podia, então, seguir em busca d'outras feridas. Mais feridas para adicionar às suas próprias. Curava, mas não sabia se curar. E quem perceberia que era de cura que ele precisava? ...!
Absolutamente compreensível. Como curar os que morrem?

quarta-feira, março 28, 2007

Ahr, essa dor que dá aqui dentro daqui de mim!
Dor de tempo que já passou,
Dor dos dias de delírios!

Dói-me devagar
Dói-me, me dominar!
Essa dor! Essa dor anestesiante...
De um mundo dolorido de pecados
E duro... duro de rachar!

Ahr, quando eu era de lá...
Quando eu me era de dúvidas!
Que diferente!
E indolor de um
(i)mundo descontente!

quarta-feira, fevereiro 28, 2007

Saudade d'a manhã

Vagaroso, o sol aparecia
Por tantos dias ausente estive
Que o esplendor de teus raios
Não tocava mais a folha, a pétala, o meu olhar!

Era a treva
Pois me é cômoda; ela disfarça, esconde
Ela me pseudo-liberta, posto que me sensibiliza
Mas a luz me fragiliza
E aquele raio é dor

Mostra a verdade por detrás da face
Revela e desmorona a ilusão do dia seguinte
Não acalma;
Nem liberta;
É a beleza do ontem
E a ousadia do hoje

Mas na incerteza da manhã
Eu me refugio na lua;
Ela me dá asas
Como o que deixa uma sala de espera
como o que dá duas voltas na chave
A uma da manhã

Me faz temer,
Mas me dá certeza de que ainda res-pi-ro...
O raio da manhã
Do amanhã.