terça-feira, junho 19, 2007

eu am'aDOR.

Tem-me sido cada vez mais árduo e doloroso mergulhar dentro de mim. A viagem que outrora eu fazia em segundos, agora demora dias para poder começar, simplesmente. E quando se inicia, nem chego à metade, perco o rumo, dói e eu volto ao ponto inicial. E nesse ponto eu não sou nada, porque só aqui e só na dor eu sou. Só que não tenho mais conseguido levar essa dor adiante. Ela emerge e morre em seguida. Congelada. Morre congelada do gelo que eu me permiti tornar.

segunda-feira, junho 18, 2007

O tapete de lã

Na semana passada minha mãe jogou fora o tapete da sala. Ele era bege e grande, e tinha aquelas pontas de lã que saem de tapetes, as quais eu não sei nomear. Mas são aquelas que são boas de passar a mão e de pisar. Quinze anos de tapete bege e grande nas diversas salas em que eu morei. Dos meus dezoito, quinze anos de história-minha de que eu me lembro. Lá estava o menino, brincando no cantinho do tapete, ao lado do sofá. E as suas ilusões e sonhos se retratavam naqueles bonecos, naqueles carrinhos, naquelas simulações de vida que julgava tão bem conhecer. O menino sozinho; sempre sozinho. E no tapete da sala. Deitado ali, deliciando-se nas pontas de lã, assistindo à surrealidade televisiva. Ao pisar no tapete, trazia para este o mundo que pisara lá fora. E trazia seus medos, suas descobertas, suas intrigas, seus novos presentes, seus sentimentos. Mas, por pisar, ia sempre o destruindo. Cada vez que se construía, o menininho desconstruía o tapete; o desgastava. E de menino virou rapaz, e de rapaz trazia novas coisas para descerem de sua cabeça aos pés e pisar no tapete. O peso dessas coisas se tornou evidente, porque cada vez que pisava nele, ele se desgastava mais... e se desgastou, se desfez. Numa proporção inversa, o menino era feito e o tapete desfeito. O tapete em que recentemente sentara para fazer o seu mais recente ofício: não se dar à surrealidade televisiva. Aquela lã o alimentara e aqueles pés de menino alimentaram a lã. Era um pacto: estavam presos àquele universo juntos. E naquele espaço de dois metros quadrados, ele retornava a uma realidade distante e se sentia seguro de si mesmo; seguro de que um dia havia existido.
Mas, na semana passada, minha mãe jogou fora o tapete da sala.
(escrito no mês passado)