segunda-feira, maio 19, 2014

49: hora de voltar

Voo 3281 João Pessoa-Brasília, 16 de maio de 2014

O embarque está autorizado às 12:49. A sua tarifa permite embarque em prioridade, senhor. – ouvi com surpresa.
Quase dez anos atrás, quando era ainda um secundarista, o sinal tocava e eu fazia hora antes de voltar pra casa. Num sistema de transporte tão pobre quanto o nosso, meus amigos sempre se espantavam com a duração exata de minha atoíce. Eu podia ficar no pátio até por volta de 13:46. O São Sebastião passava (quase) sempre às 13:49. E então eu corria. Escutava quarenta-e-nove e pensava que já era hora de ir pra casa. Hoje o embarque foi autorizado às 12:49. E quarenta-e-nove. É hora de voltar.
Cochilei um pouco no avião. A psicologia deve descrever em detalhes alguma fase para o nível de sono em que eu me encontrava, mas é algo assim: você tem uma consciência parcial do que ouve e sente, mas tudo se dissolve lentamente num cenário onírico. O começo é tão frágil que qualquer agudo mais evidente te coloca de novo num quê de realidade. E a mente vai ter que começar do zero a composição de uma nova cena.
Fechei os olhos e tinha consciência de que me movia dentro de algo, tinha alguma consciência de retorno. Por uns cinco segundos, porém, um espirro mais alto ou o cleque de uma mesinha fechando me fez questionar onde eu estava. Parecia um carro. Parecia que alguém me dirigia. Uma caminhonete, talvez. Quem me trouxe mesmo? – pensei, antes de recuperar o áudio que saía dos motores e entender que voltava de um cochilo sem sucesso na fecundação que deveria ter ocorrido entre ambiente e mente.
Nessa de que a mente mente, acordei então. Estar neste avião e retornar pra casa tem um gostinho de volta à realidade.
Mas. Só que. É que.
Vivi tantas realidades paralelas no último ano que fica difícil saber o que sentir para além da saudade. Escrever neste avião é entender que essa é a última vez que não saberei o que esperar de meu retorno. Essa que foi uma angústia em várias horas termina no pouso. É engraçado essa coisa de algumas agonias terem prazo de expiração. De mistérios encerrarem ciclos. De mistérios terem fim.
É claro que o pouso é só o início de alguma outra coisa tão ou mais misteriosa, esburacada de dúvidas. Mas é como se o que eu vivi me atravessasse a nuca, vindo detrás; como se o agora estivesse diante de meus olhos. Da forma como os gregos viam o tempo. Não como alguém andando para frente, vagando no desconhecido e deixando coisas para trás. Não. É como alguém parado, acertado por espectros de acontecimentos que vêm por detrás das suas costas – desconhecidos, invisíveis – tornados disponíveis aos olhos depois de uma travessia completa.
Vejo tudo que me aconteceu projetado numa tela branca e aguardo com serenidade o que ainda vem me acertar as costas – mãos macias massageantes ou facas ferozes enferrujadas.
São 15:49. O pouso está autorizado.

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